Quando alguém pensa abraçar a obstetrícia, pensa-o sobretudo sob o prisma da criação. O fascínio pelo novo, pela magia que é ver-se perpetuada a vida.
As consultas de interrupção voluntária da gravidez, sendo uma realidade da especialidade, não são certamente a força motriz para optar pela área.
Se já por si custa, viver em parte o drama de alguém que tem de optar por essa decisão extrema (não sou ninguém para fazer qualquer tipo de juízo de valor acerca de realidades que desconheço). Mais custou ver-te a ti. Sozinha, com 21 anos. Uma insegurança e medo que transpareciam em todos os teus passos e gestos.
Mais custou saber os contornos da história. Ver como alguém tem de decidir algo tão sério sozinho. Sem ninguém que ampare. Com a acrescida vergonha de ter sido vítima de um abuso, que sendo em parte consentido, não deixa de ser abuso e um acto verdadeiramente criminoso.
Saber que é uma realidade que acontece todos os dias, dá-me profundas náuseas. Entristece-me ver a frequência e facilidade com que o ser humano tira partido de condições de inferioridade para praticar os mais doentios actos. Abandonando posteriormente a vítima, com as sequelas do ocorrido.
Aprende-se muito nos consultórios.
Este verão tenho-me fartado de aprender.
Ego....o local eleito para o reencontro comigo! Sem mais pretensões senão a de existir! Feito por quem desejou fazer das palavras de todos, um pouco mais suas!
terça-feira, agosto 26, 2014
terça-feira, agosto 19, 2014
Nefro
Entraste insegura, trémula. Os passos eram curtos e incertos.
Mas a porta tinha-te sido aberta, não vinhas só. Contigo, a amparar-te a cada passo vinha ele.
Sentaste-te. Ele optou por ficar calmo, em pé. A teu lado, ia compassadamente apertando a tua mão, afagando-te o cabelo.
Tinhas nos olhos enormes, um cansaço típico da tua condição. Ele nos seus, igualmente expressivos, toda a atenção e vontade de sorver toda a informação que fosse sendo vertida. E que rapidamente tentava transformar numa espécie de tentativa de plano de cura.
Ambos novos, nos seus 30. Ela com uma sentença de doença crónica, e um curso a tender para o dramático. Teria tudo para parecer a vítima numa história. Mas olhando bem para aquele amor. Aquele afecto genuíno. Aquela união. Ela sim era a pessoa mais abençoada daquele consultório.
Nem todos teremos a certeza de ter ao nosso lado alguém disposto a tudo, para o nosso bem. Disponível para abdicar de tempo, de vida própria, de si, porque só com aquela pessoa a vida faz sentido, mesmo que num trilho complicado, mesmo sem a feliz ingenuidade do fim.
Naquele momento, soube que independentemente das nossas dispares condições de saúde. Apesar de parecer que não... nós éramos as pessoas a necessitar de alguma intervenção e ajuda. Porque tu, menina dos olhos grandes e cansados, podes ter a certeza que tens toda a felicidade do mundo.
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