domingo, setembro 24, 2006

Avó


Como o sorriso era meigo, como as suas mãos ternurentas, como num simples colo encontrei toda a paz e segurança que necessitei para crescer de um salto só…
Hoje fechando os olhos consigo ver-te mais nítida que nunca, consigo sentir o calor do teu regaço, o afago carinhoso da tua mão, inspiro profundamente e consigo sentir o teu cheiro…já vários anos passaram, meia vida se for exacta, mas não posso dizer que me deixaste porque nunca te sentirei longe de mim… mas gostava de te poder abraçar mais uma vez, e como gostava que me iluminasses com o teu sincero sorriso…

domingo, setembro 17, 2006

Um triste caminhar para a solidão!



Hoje o suposto é fazer um exercício mental.
Temos a seguinte situação: Pessoas, próximas, podem ser da família, amigas, o que importa ressalvar é que elas passam muito tempo juntas e gostam umas das outras. Assim sendo, essas pessoas, deveriam ser felizes, passar momentos agradáveis juntas, conviver, partilhar pensamentos, experiências, ser confidentes...
Então porque não acontece isso mesmo?
Porque é que essas pessoas começam a deixar de se ouvir, a ser insensíveis aos outros, porque é que as palavras se tornam ásperas e secas, porque é que se expõe todos os defeitos e se escondem as virtudes, porque é que lentamente se vai destruindo toda a cumplicidade e se vai dando espaço para a solidão em cada um?
Pessoas!
Poderia ser eu, poderias ser tu... todos passamos os dias a inventar problemas, a amplifica-los e renová-los constantemente... todos o fazemos com uma arrogância própria de quem pensa ter a absoluta "Razão”, de quem se pensa inatingível e quem não vê os dias e dias de vida que lentamente por si passam... só quando finalmente a morte bate à porta, sentimos aquele aperto, o amargo sabor do arrependimento.
Arrependemo-nos por palavras ditas, pelas que ficaram por dizer...mas principalmente porque aquelas pessoas, com as quais vivemos e de quem gostávamos nunca souberam o que realmente nós pensávamos, o quão importantes foram... E quando elas um dia se lembrarem de nós lembrarão aquela discussão, aquela palavra de desprezo, aquela ausência constante de alguém que sempre ali esteve… e como ninguém pode mudar o que já foi feito, o meu inglório trabalho é tentar mudar um previsível fim...


sexta-feira, setembro 15, 2006

Ruas Invictas




Sai a atonia que vive em nós, fervem ideias, acções são tomadas aos tumultos… Nas ruas vejo novamente corpos sem face movendo-se apressados, vejo-os nas suas rotinas, envoltos em problemas, insensíveis a quem por eles passa, ao homem que pede por um pouco de pão.
Ouço os milhares de passos que por ali trilharam parte de um caminho interminável… do meu canto, desta janela, claramente vejo a bolha onde cada um se isola, e se cega para todo o resto!
Mas sei que assim que me erguer do meu posto privilegiado, assim que sair à rua, também eu visto a minha bolha e participo igualmente neste impessoal modo de viver, esqueço o quão reprovável ele me pareceu…
Movo-me entre os muitos, invisível aos seus olhos, estou lá… contorno-me à realidade, acabo por me moldar e abandonar ao comodismo e cobardia. Também eu me torno surda aos passos dos outros, cega ao apelo do necessitado… Porque não está alguém à janela para me ver?

domingo, setembro 10, 2006

Palavras





Todos os dias as usamos, em conversas banais, conversas protocolares ,conversas de etiqueta...conversas. E usamo-las de modo mecânico, com rasgos de frases ouvidas daqui, dali...
Usamo-las. Num mecanismo interiorizado em anos de existência e para a manutenção da ideia de que "o Homem é um animal sociável". Usamo-las nestes rituais impostos, em conversas com quem passa, falamos do tempo, da família, falamos de tudo sem dizer nada... Na verdade, para que é que as usamos?

Palavras

Usamo-las e gastamo-las... em discursos repetidos, com conversas superficiais e sem conteúdo e quando mais delas precisamos, quando elas fariam a diferença, de tão gastas que estão, não nos parecem fazer sentido... e preferimos calar, ouvindo do silêncio a única Palavra de conforto...

Palavras...gasta-las para quê?

quinta-feira, setembro 07, 2006

Sorriso






Tímido, aberto, medroso ou discreto,
demonstrando afecto ou até mesmo desprezo.
Partilhado, escondido, pleno ou dividido.
É contrair os músculos descontraindo,
é mostrar um agrado… sorrindo!



terça-feira, setembro 05, 2006

À pessoa dos olhos de medo





Ping, ping... inúmeros pings se seguem e a minha janela é beijada por essa límpida água que mais uma vez cai do céu... como é bom, como conforta a alma este doce cântico! Permaneço quieta, apenas me movo muito depois, para me aconchegar nos lençois... na minha cabeça voltam lentamente as imagens de todos os acontecimentos de mais um dia passado! Sinto ainda o medo, os mil olhos a seguirem-me, ouço ainda a censura das almas respectivas...mais uma vez me invade o sentimento, aquele que já experimentei tantas vezes, sinto-me fraca, deverei utilizar o feminino?
Já não sei quem sou, não sei... não tenho mais a segurança no que me levou a transformar o corpo e a ser mais coerente com o que sentia. Não sei, já não me sinto o homem que era, nem a mulher que queria ser. Pareço um estranho híbrido e "estranho" é mesmo o que os outros pensam quando me olham! Estranho é de facto o mínimo, já não é o olhar de estranheza da parte deles que me fere...não, porque “estranho” eu sempre fui… mas agora… não sou mais o homem estranho que era. Sou a "aberração", o atentado a Deus, sou o que todos recriminam, sou aquele ao lado de quem ninguém se senta, sou aquele que ouve as piores obscenidades, a quem batem apenas porque sim... esse… ou essa… sou EU!
E o meu maior sonho torna-se um inferno vivo... quando o que mais desejava era ser mais fiel aos sentimentos, e tornar-me mulher, uma vez que foi assim que já nasci... quando decidi tomar a "atitude" assinei o meu próprio atestado de óbito.
Hoje nada mais sou que um espectro....

domingo, setembro 03, 2006

Mito da Música




Notas soltas, notas que esvoaçam, notas que vêm e vão, notas que ficam… como um suis generis elemento elas estão impreterivelmente presentes!
As notas relacionam-se, criam afinidades incompreensíveis para um ser como o humano e juntam-se em melodias várias. Se fossem de outra espécie à sua união se chamaria casamento, mas como de notas musicais se trata por convenção se denomina “Música”.

Com vários registos, inúmeras sonoridades elas constituem o auge no acto de comunicar, conseguindo muito mais eficazmente transmitir situações e sentimentos, é o instrumento primordial dessa raça que é a humana na comunicação intra-espécies, e como tudo começou?

Quando o mundo foi criado e com ela toda a vida, surgiram as notas musicais. Rapidamente as notas e a sua música encheram os céus, invadiram a atmosfera e como uma chuva preencheram os minúsculos habitáculos… contactaram com os diversos seres, mostraram na sua actuação toda a sua força e beleza, mas os pobres animaizinhos não percebiam o que aquelas vibrações com tradução sonora queriam indicar e todos eles se afastavam, amedrontados… e as notas continuavam, numa melodia triste a vaguear pelos ares… e através dos mesmos ares elas chegaram, chegaram aos ouvidos de um ente feio, desprovido de grandes armas, sem pêlo, dentes afiados ou garras, chegaram a um ser aparentemente frágil e sem maior arte, nem diferença para com os demais senão um brilho no olhar que dava porta directa para a “alma” órgão mágico onde se armazenava todo o poder da criatura.
A melodia da música chegou, mais uma vez se fez vibrar pela atmosfera na actuação que tantas vezes repetira…mas algo foi diferente, algo naquela débil criatura se alterou, o brilho de acesso à alma das esferas oculares intensificou-se, o brilho virou límpido líquido crescendo com cada nota musical, dilatando as esferas e abrindo cada vez mais a porta…até que com uma nota aguda, a música parou, os céus pulsaram, o chão tremeu… e dos olhos daquele frágil ser, caiu o brilho, o produto da alma, da mais forte das magias…caiu uma lágrima… e as notas, pela primeira vez foram compreendidas e sentidas e contra todas as suas mais felizes expectativas também elas conseguiram compreender e sentir igualmente o delicado ser.
Duas entidades se juntaram numa simbiose milenar, não mais o pequeno ser quis estar sozinho, nem a velha música incompreendida. Eles permaneceram ligados, como um… e ainda nos nossos dias a alma vibra de acordo com as notas musicais que nela entram e vice-versa!