quinta-feira, janeiro 23, 2014

Desconstrução - No dia em que desaprendi a Anatomia Patológica

Todos conhecemos alguém que desempenha funções para as quais não é a pessoa mais indicada.
É uma constante no atendimento nos serviços públicos, nos cafés e restaurantes. E é sempre uma situação que lamentamos duplamente. Se por um lado estamos a ser mal servidos/atendidos, por outro certamente existirá no mundo alguém mais motivado e indicada para aquela mesma função, que faria com que tudo fluísse mais natural e harmoniosamente.
Não é o meu primeiro exemplo para esta situação. Mas é sem dúvida alguma o exemplo mais doentio e revoltante com que tive o desprazer de me cruzar.
Todas as profissões acarretam uma responsabilidade intrínseca. Adaptada às funções que se desempenham, mas a responsabilidade está sempre aliada a um bom desempenho. Mas depois há aquelas profissões que requerem dose extra. Não só de responsabilidade, mas de autoconsciência. Há simplesmente funções que marcam demasiado a vida dos outros para que os responsáveis se possam dar ao luxo de fazer as coisas às três pancadas. São inúmeros os exemplos de profissões que se enquadram nesta descrição. Hoje tenho mesmo de abordar um em concreto.
O de uma senhora que pensa que a docência é um trono do qual pode ditar as regras que quer, leccionar o que bem entende, sem qualquer ordem, objectivo, rigor ou correcção. É triste, é profundamente triste como ao fim de 19 anos como estudante (esta é a minha 19ª matrícula), vejo alguém deitar por terra todo a imagem que tinha do papel de um docente.
Esta aventura já começou há algum tempo, desde a recusa da equivalência com base no capricho de "não dou equivalências a ninguém", alegando oficialmente uma "formação demasiado específica", mas sem com isto justificar qual(ais) os conteúdos programáticos em falta.
Com as primeiras aulas veio a dualidade de critérios. Se um licenciado em Anatomia Patológica não tem competências para ter equivalência à unidade curricular :"Anatomia Patológica", já um aluno do 4º ano de Medicina, cuja experiência para além da (nenhuma) formação dada pela própria no ano anterior é apresentado como o assistente das aulas práticas, com capacidade inclusive, espantem-se, de avaliar trabalhos práticos e corrigir exames.
E nas aulas dão-se conceitos que vão contra tudo o que é descrito pelos livros de referência ou artigos científicos. Os mesmo conceitos são avaliados na frequência teórica, ficando para sempre a duvida acerca do que estará certo.
A Anatomia Patológica em Coimbra perde todo o seu sentido de área médica com vista ao estudo das alterações morfológicas que estão  na base das doenças e ganha uma dimensão mística. Ninguém sabe os critérios, ninguém sabe o que está bem, o que está mal. Aparentemente o próprio livro referência é posto em causa.
Tudo atinge um novo nível quando se equaciona alterar e manipular as notas da componente prática de modo a dar a nota máxima a quem tiver em risco de reprovar, justificando: 

"Não posso chumbar alunos que não tenho capacidade de ter mais alunos nas turmas práticas, por isso vou dar a nota máxima à prática e quem chumbar e vier a recurso faz oral e vou fazer perguntas até responder alguma coisa certa e der para passar".

Isto bloqueia-me qualquer capacidade de comentar, sinto-me presa, sem voz, sem capacidade de qualquer tipo de acção. É tudo demasiado mau para ser verdade, é tudo demasiado triste e revoltante. Saber que se brinca aos professores com algo tão nobre, que se atiram tópicos a alunos como ossos a cães.
Triste, ver que 300 alunos de medicina/ano ficam com esta ideia da Anatomia Patológica.
Triste ver como 300 alminhas não se sabem juntar e reivindicar o direito a um ensino de qualidade.
Triste por ter me sentir a embrutecer de dia para dia. Triste por deixar que isto mexa internamente e comece a condicionar uma dúvida em matérias que já foram naturais e inquestionáveis.

Triste. Por ter tido o azar de entrar naquela faculdade, por ter de viver Coimbra, e todos os seus doentios vícios de província com manias de terra de "doutores" que competem para o título de pessoas com menos escrúpulos e princípios que alguma vez conheci.
Triste por nem a meio desta tortura estar e não ter já qualquer força para continuar.
Triste!

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